*Rogério Silva
As tais incursões a que os artistas se
aventuram em determinado momento da carreira me dão frios na espinha. Tudo ia
muito bem na vida de Roberto, até que ele resolveu se dedicar às baixinhas,
gordinhas e míopes. Virou motorista de caminhão, chutou lata e até se vestiu de
verde e amarelo. Hoje ele decidiu que é “o cara”. Sabe-se lá o que vem por aí. Mas na hora do
show, ele não se arrisca. Invoca seu repertório repleto de romantismo e dor de
cotovelo, que nos leva às lágrimas, sem dó. Nos “botões da blusa”, rolam
centenas de “emoções”, que amanhecem num sorridente “café da manhã”. Depois de
uma bela “proposta”, a noite termina em “lençóis macios onde amantes se dão”.
Não adianta inventar a roda. Todo artista
comete seus deslizes, mas quando a ficha cai e ele se toca em tempo, dá tempo
de salvar o patrimônio. E é isso que eu espero que aconteça com o bom baiano
Caê.
Caetano entrou numas meio psicodélicas.
Saiu-me com uma trilogia barulhenta, totalmente instrumentalizada onde quase não
se ouve sua voz. Isso começou em 2006 com o álbum chamado Cê. Em 2009 veio Zii
e Zie (?). E para o arremate final – tomara que “final” tenha sentido literal –
em 2013 ele me aparece com um Abraçaço. Queria perguntar ao Gil se esse troço
aí que o parceiro amigo irmão dele inventou tem algo a ver com “Aquele Abraço”
de 1969. Sinceramente, acho que nem passa perto de alguma identidade.
Providenciei meus ingressos, cheguei um pouco
antes da hora marcada. Até então, o Caetano que conhecia não tolerava atrasos.
No famoso teatro baiano Castro Alves, ele mesmo fazia questão de dizer nas
chamadas da televisão e do rádio que o show era às 21 e quinze. E ai de quem chegasse
depois. Nem entrava.
Esperei um pouco. Esperei mais um pouco. E
nada do leãozinho. Alguém usou o microfone em off para dizer que o avião foi
parar em Uberaba, que não tinha teto aqui em Uberlândia e tal.
Eis que surge Caetano, junto com a banda, simples
como de costume – ele é mais um no grupo. Já chegou soltando a voz, as cordas,
as batutas. Muita luz piscando e eu tentando entender a letra daquela canção.
Uma porção de coisas desconhecidas veio em
seguida, cheia de refrãos repetidos. Um
deles dizia “Eu odeio você, eu odeio você”. Mais adiante ele gritou reiteradas
vezes “A bossa nova é foda!” Hein? Como assim? E na sequência, “Você nem vai me
reconhecer quando eu passar por você”. Nisso nós concordamos. Caê está
irreconhecível.
Em alguns momentos, pensei que tudo isso tivesse
sido escrito para a Paula Lavigne. Lembram quando ele compôs “Me larga, não enche”, chamou-a de vagaba, vampira? E
ainda disse “você não entende nada e eu não vou te fazer entender…” Pois então.
Será que é continuação daquela fase negra?
Tô com saudade de Caetano.
Será que volta? E olha que eu nem estou implorando por “Qualquer Coisa”,
pela “Risada de Irene” na esquina da “Ipiranga com a São João”. Queria só saber
se tem chance de vê-lo sentado num banquinho, com um bom violão, tremendo o
queixo nos versos mais longos. O velho
Caetano Veloso de guerra, criativo, irreverente, cheio de artimanhas para
desfiar seu rosário da época sombria dos militares, exilado, porém ativo.
Será apenas moda? Será eterno? Esse é Caetano?
Aquele cara que eu vi não é ele.
Ou não!
(*)
Rogério Silva tem 41 anos, é jornalista e administrador de empresas. Tem MBA em
Gestão Executiva e Empreendedora, com extensão em liderança. Desde 2007 dirige
as áreas de infraestrutura midiática e jornalismo da Rádio Educadora Jovem Pan
e TV Paranaíba/Record, em Uberlândia, Minas Gerais - Colunista
Semanal do Blog www.administrandohoje.blogspot.com.br