*Rogério Silva
E era uma delícia. Todos nós
íamos para a varanda e conversávamos sem parar, contávamos histórias e ríamos
muito. Demorava a acender tudo de novo. Pelo menos uma vez por mês era certo
termos um blecaute na cidade. Na rotina da luz elétrica, era cada um para seu
lado. No único Telefunken de vinte e
tantas polegadas, tinha uma tela de plástico ou acrílico pregada na frente com
3 faixas verticais coloridas: Verde, vermelha e azul. Para nós, isso dava cores
ao aparelho preto e branco. A minha irmã adorava os episódios de “Jeannie é um
Gênio” e “A Feiticeira”. Eu era vidrado no “Robô Gigante”. A minha mãe, claro,
acompanhava capítulo por capítulo de “Anjo Mau”. E meu pai, bom, para meu pai,
sobrava a tv somente na hora do almoço. Era ali que ele sabia dos gols da
rodada e se o Vasquinho dele tinha se saído bem ou não nos pés do Roberto
Dinamite.
A televisão hipnotizava a todos e
nos roubava a atenção. Mas sem energia elétrica em casa e sob a luz de velas,
nos restava a companhia um do outro. Era momento de lembrar dos trejeitos
engraçados da tia que morava na cidadezinha natal da minha avó, do meu pai
contar os casos mais esdrúxulos que nós apenas fingíamos acreditar e da minha
mãe colocar a cabeça da gente no colo dela e dar conselhos: “Não briguem tanto,
vocês são irmãos”. E aí a gente fazia um pacto, selava a paz que durava no
máximo 1 dia.
Na casa da frente em nossa rua,
tinha Seu Naná das garrafas, que ficava na porta esperando a luz voltar. Na
casa ao lado, a mulher rabugenta que nunca aprendemos o nome também vinha à
porta e até ficava mais simpática. Tinha os meninos do futebol, filhos da
pianista, e também a turma do Balança Mas
Não Cai, um edifício de 3 andares antiquíssimo da esquina.
Lá se vão mais de 35 anos, mas a memória é ainda muito
fresca. Luz elétrica era o máximo de tecnologia que havia no nosso
interiorzinho da década de 70. E sem ela, voltávamos a ser pessoas rudimentares
que tinham que se virar com o que havia. E o que
havia erámos nós mesmos.
Com o passar dos anos, as coisas
foram ficando mais fáceis, vieram a tv em cores, os primeiros videogames, os
computadores, celulares e toda a tranqueira que conhecemos nos dias atuais. A
tv da sala passou a ser mais enfeite e sinal de status. Em cada quarto, cada um
tem a sua tv. Mas isso nem é mais relevante. Quase nunca falta luz. Hoje, o
apagão é outro.
Todo mundo vive conectado o tempo
inteiro. Numa mesa de 4 pessoas num restaurante tem mais 4, mais 16 plugadas na
conversa em outros lugares do mundo. Chegar em casa e encontrar esposa, filho e
empregada confinados em seus universos digitais é mais comum do que se pensa. E
quando vai acontecer de novo aquele momento em que a luz ia embora?
Bom, aconteceu!
Na última segunda, a companhia
que detém mais de 90% dos serviços de internet no Triângulo Mineiro saiu do ar
por quase 12 horas. Nada de navegação no site favorito, nada de e-mails
importantíssimos para mandar ou receber, nada de redes sociais para postar
fotos, fofocas, piadas, lições de moral, mensagens de fé.
Confesso que foi um dia
diferente. Em algumas empresas, a pane fez funcionários irem pra casa mais
cedo, reuniões foram adiadas e certamente, várias famílias se reuniram na sala
para jogar conversa fora, falar bobagens, reparar no novo corte de cabelo da
esposa e, até, para ver televisão.
Quanta ironia!
Quanta ironia!
(*)
Rogério Silva tem 41 anos, é jornalista e administrador de empresas. Tem MBA em
Gestão Executiva e Empreendedora, com extensão em liderança. Desde 2007 dirige
as áreas de infraestrutura midiática e jornalismo da Rádio Educadora Jovem Pan
e TV Paranaíba/Record, em Uberlândia, Minas Gerais - Colunista
Semanal do Blog www.administrandohoje.blogspot.com.br
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