21 maio 2013

Estórias da Sociedade de Consumo



Petrônio Hipólito (*)
 

Aquilo de que os homens carecem é o que eles mais desejam
Aristóteles (SÉCULO IV a.C.)
O melhor dos bens é aquele que não se possui
Machado de Assis  (1883)

Caros leitores, vamos falar sobre o surgimento do desejo de comprar. Para isso vamos definir algumas coisas.
Sociedade de consumo, é um termo utilizado em economia e sociologia, para designar o tipo de sociedade que se encontra numa avançada etapa de desenvolvimento industrial capitalista e que se caracteriza pelo consumo massivo de bens e serviços, disponíveis graça a elevada produção dos mesmos.1
A sociedade de consumo começou com o chamado  Fordismo. Henry Ford, filho de imigrantes Irlandeses e Belgas, iniciou sua fábrica de automóveis (Ford Motor Company) aos 40 anos, em 1903, em Detroit, capital do Estado de Michigan, NE dos Estados Unidos. Sempre atento ao uso de ferramentas para aumentar a produção e trazendo sua vasta experiência em máquinas de todo tipo, lançou o revolucionário Modelo T em 1908, custando US$ 825,00. A fabricação desse modelo ganharia notável incremento a partir de 1913, quando Ford, inspirado nos processos produtivos dos revólveres Colt e das máquinas de costura Singer, implanta a linha de montagem e a produção em série, revolucionando a indústria automobilística.1 O modelo T era o primeiro carro projetado para a manufatura. Nesta época, Ford aumentou os vencimentos de seus empregados de US$ 2,34 para US$ 5,00 por dia, chamado por ele de “salário de motivação”, diminuiu o dia de trabalho de 9 para 8 horas e 5 dias por semana, criando, assim, um mercado consumidor com seus empregados para os carros que fabricava. Com métodos Tayloristas, (de Frederic W. Taylor (1856 - 1915) engenheiro e economista americano que elaborou um sistema de organização racional do trabalho, amplamente exposto em sua obra “Principles of Scientific Management” (1912)) (caracterizado pela ênfase nas tarefas, objetivando-se aumentar a eficiência da empresa aumentando-se a eficiência ao nivel operacional) e a alta recompensa a seus empregados, diminuiu a rotatividade e atraiu os melhores mecânicos de Detroit para sua unidade produtiva. Sua produção aumentou vertiginosamente para até 250.000 caros por ano em 1914. Com cerca de 15 milhões de unidades produzidas em vários países, em 1927, último ano de sua fabricação, o preço havia despencado para US$ 290, aumentando ainda mais a penetração de seu produto em diversas camadas sociais. Formou-se, assim, o inicio da sociedade de consumo nos Estados Unidos. A transferência do modelo para outros países deu-se muito depois, tendo em vista, principalmente,  o esforço de guerra de 1939 a 1945. A França é um caso peculiar, pois o uso de eletrodomésticos era associado ao luxo. Em 1954, apenas 7% dos lares eram equipados com um refrigerador.2 Cada emprego na indústria de automóveis, quer seja nos Estados Unidos, na China ou em qualquer outro lugar do mundo gera, em média, 2 outros postos de trabalho em indústrias relacionadas. Desta maneira, uma corrente de consumo se forma, dinamizando toda a economia.
Voltando às raízes da formação da sociedade de consumo, o ato de comprar, até meados do século 19, consistia em ir às lojas localizadas no próprio bairro. Estes passeios não só supriam as necessidades em produtos, como também propiciavam conversas sobre a família ou sobre outros assuntos correlatos. Os interlocutores podiam ser, o dono da loja, ou mesmo, as pessoas conhecidas, que frequentavam estes locais. Estes prazeres sociais não estavam relacionados ao ato de comprar propriamente dito ou com o papel de consumidor daquele que ia adquirir um produto.
O surgimento das Lojas de Departamentos mudou drasticamente o ato de comprar e vender. As pessoas agora podiam frequentar um local onde tinham liberdade para olhar as mercadorias dispostas, sonhar com elas, eventualmente comprar. Ir às compras passou a ser uma atividade lúdica e social, uma maneira agradável de passar o tempo, como ir visitar um museu.  
A nova maneira de encarar a ida às compras, não era considerada apenas atividade de lazer ou prazer. Em certo sentido, gastar um tempo na atividade de comprar era visto como fundamental para ser um bom mantenedor de sua própria casa (este papel cabia mais à mulher).
Enquanto o consumidor tradicional deveria negociar com o dono da loja para obter o produto desejado de forma mais barata, o consumidor moderno, criado pela introdução das Lojas de Departamento, podia simplesmente comparar os preços estampados nas mercadorias que ele poderia ou não adquirir.
As Lojas de Departamentos tornaram o fenômeno do público feminino nestes locais possível e socialmente aceito. Com isto, toda uma gama de padrões de comportamento foi moldada: cortesia, deferência, conforto, conveniência, serviços gratuitos.
Dois fenômenos marcantes para diferenciar as Lojas de Departamento que competiam entre si: tornar-se a mais agradável sob o ponto de vista físico ou na prestação de comodidades e serviços, assim como ter facilidade em obter crédito neste estabelecimento.
De “só olhando” para “comprando”: Inovações nas Lojas de Departamentos em Propaganda e na Exposição dos produtos. 
Apesar de oferecer o máximo de comodidades, as lojas de departamentos tinham forte orientação capitalista. O prazer de poder dizer “estou apenas olhando” deveria ser convertido em potencial desejo de compra.
Estratégias de venda como a publicidade são adotadas: os produtos são convertidos em objetos de desejo. As palavras “seduzir” e “sedução” entram em cena.
Para transformar o visitante em comprador, as lojas de departamento começam a utilizar-se de métodos de propaganda, como anúncios em jornais, outdoors, panfletos. Uma das mais significativas inovações foi a maneira como as grandes lojas passaram a utilizar-se dos jornais para se promoverem: aumentaram o tamanho dos anúncios, fornecendo mais especificações e utilizando-se de palavras que aumentam o apelo pelos produtos; passaram a usar slogans memoráveis, diálogos fictícios, diferentes layouts. Introduziram o uso de gravuras e fotos, além do uso de novas técnicas de impressão. A boa propaganda podia ser responsável por aumentar o interesse dos compradores potenciais, levando-os à loja.
Os prazeres visuais da propaganda teriam de converter-se em fascinação e, esta em desejo de adquirir o objeto da fascinação. Por isso, a maneira de expor os produtos sofria transformações: estes passaram a ser mostrados em diferentes contextos, ganharam destaque com luzes, decoração, adornos arquitetônicos. A atenção do público é direcionada ao produto.
Uma vez que toda a produção reforça a atenção do público para a visibilidade do produto, este ganha uma nova dimensão: a aparência. A forma como este produto impressiona os sentidos nos diz mais sobre ele que seu valor intrínseco.
A riqueza ou valor do produto vale menos que o significado que ele transmite. A manipulação dos sentidos é que determina o maior valor agregado do produto.  
A fusão entre cultura e economia define o consumo moderno, em distinção com o antigo processo de produção e consumo. As pioneiras Lojas de Departamentos transformaram consumidores tradicionais em consumidores modernos, onde apenas anunciar deu espaço para a época dos símbolos de status ou produtos referência.
Além disso, o mercado de consumo focou a propaganda na mulher consumidora, trazendo este novo agente para o mercado. As pioneiras Lojas de Departamentos e a feminização do ato de comprar, geraram visões contraditórias do papel da mulher:
a) A aceitação de que a mulher poderia e deveria frequentar este tipo de local, fez com que ela saísse da patética vida doméstica e tivesse acesso a uma esfera de convivência pública, consolidando seu papel de consumidora.  
b) Como as Lojas de Departamentos passavam uma ideia de luxuosos palácios de consumo, dando a oportunidade de adquirir seus produtos, isto ia ao encontro do apetite de status desejado pela crescente classe média urbana, na medida em que estes desejavam ostentar tais produtos.
c) As condições sociais da época favoreceram o consumo de certos produtos pelas mulheres, visto ser papel do homem da época sustentar a casa e sendo delegado a elas o papel de administradoras do lar, bem como adquirir os produtos que os abasteceria 4. 
O consumo, no entanto, não deve ser visto como uma coisa ruim. A propaganda e os atributos associados ao produto não teriam valor algum sem sua qualidade intrínseca. As pessoas devem consumir para sobreviver, e as camadas mais pobres da população terão de consumir mais se quiserem subir acima da linha da pobreza e viver uma vida de dignidade e oportunidades. Mas o consumo excessivo ameaça o bem estar das pessoas e o meio ambiente quando se torna um fim por si mesmo, quer seja como meta de um indivíduo ou como medida de sucesso de uma política governamental. A economia de massa que produziu um mundo de abundância no Século XX enfrenta, no Século XXI, o desafio de ao invés de indicar o acúmulo contínuo de bens, proporcionar ao homem uma melhor qualidade de vida com mínimo dano ao meio ambiente.3  Do ponto de vista ambiental, a sociedade de consumo se vê como insustentável, posto que implica em um constante aumento da extração de recursos naturais, e do despejo de resíduos, até o ponto de ameaçar a capacidade de regeneração da natureza desses mesmos recursos imprescindíveis para a sobrevivência humana. A população mundial consumiu em 100 anos, tudo que a natureza levou 500.000 anos para produzir.
Essa verdadeira indústria foi uma das que tiveram o mais rápido crescimento durante a última metade do século XX: os gastos mundiais totais com propaganda aumentaram de US$ 39 bilhões em 1950 para US$ 237 bilhões em 1988, crescendo até mesmo mais rapidamente que a produção econômica mundial no mesmo período.
A febre de comprar nos faz pensar, como sugeriu Lipovetsky, que “ela seja uma compensação, uma maneira de consolar-se das desventuras da existência, de preencher a vacuidade do presente e do futuro”5.
Hoje, os impeditivos oriundos do aquecimento global, das práticas de consumo consciente, do uso racional de recursos, dos grupos de pressão organizados e sua divulgação na mídia nos indicam um caminho no sentido de um mundo menos fútil, com menos guerras e com real compromisso de governos com os mecanismos de mitigação da pobreza em seus vários níveis, e acesso a liberdades, como coloca Sen6, a liberdade de acesso a saneamento básico, à educação, a crédito e às liberdades individuais. Depende de cada um de nós.
Boa semana a todos e até a próxima terça-feira.


REFERÊNCIAS:

1.     WIKIPEDIA (sociedade de consumo)
2.     LIPOVETSKY, Gille .  A Felicidade Paradoxal. Ensaio sobre a Sociedade do Hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007
3.        STATE OF THE WORLD, 2004. The Worldwatch Institute. Pag.4
4.      LEARNING TO CONSUME: EARLY DEPARTMENT STORES AND THE SHAPING OF THE MODERN CONSUMER CULTURE (1860- …
R. Laermans - Theory, Culture & Society, (SAGE, London, Newbury Park and New Delhi), Vol. 10 (1993), 79-102.
5.      GUSTAVO BARCELLOS. Le Monde Diplomatique Brasil: A Alma do Consumo, pág.7
SEN, AMARTYA, Develop




petronio@gvmail.br

(*) Petrônio Hipólito tem 54 anos, é engenheiro agrônomo pela ESALQ-USP. Especializou-se em Gestão de Sustentabilidade e em Administração (CEAG) pela FGV. É palestrante e consultor. Tem sólida experiência em Responsabilidade Social e Desenvolvimento Sustentável.

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